Aposentadorias
: Acabar com a confusão
Jean-Marie
Harribey
Trad.:
John Gilbert Heuri
Os debates
sobre as aposentadorias e a poupança salarial estão nadando na
maior confusão. Já que este debate esconde um jogo de interesses
fundamental na sociedade, seria desejável acabar de uma vez por todas
com os múltiplos erros e inverdades. Um elementar rigor cientifico deveria
permitir de considerar com serenidade os pontos seguintes.
1. O primeiro
é decisivo pois dele depende a coerência dos outros. A diferença
entre um sistema de aposentadorias por repartição e outro por
capitalização não está ligada à origem dos
recursos para financiá-los. São os Ativos que sempre fazem sobreviver
pela sua atividade produtiva os Inativos ; nos dois casos, são eles que
"pagam". Aquilo que aparece como evidente quando as aposentadorias
são pagas imediatamente após o recolhimento dos encargos sociais
é dissimulado no caso dos fundos de pensão. Mas os benefícios
pagos pelos fundos aos seus participantes são retirados do fluxo de rendimentos
gerado pelos trabalhadores ativos; não são retirados de um estoque.
Um consenso social é necessário para a solidariedade entre gerações
num sistema de aposentadoria por repartição. Um outro "consenso"
é necessário dentro de um sistema baseado em capitalização
para que os assalariados aceitem por bem ou por mal que os detentores dos capitais
retirem uma parte suplementar das riquezas produzidas.
2. Para
evitar um erro de raciocínio, convém comparar o aumento do número
de inativos (jovens e velhos) em relação aos ativos, com a evolução
da produtividade do trabalho quando a população total varia pouco
e que somente a estrutura por idades muda. De acordo com as previsões
oficiais, esse aumento da relação inativos/ativos deverá
ser de 25% em 40 anos, isto é de 0,56% por ano em média. O aumento
do número de aposentados em relação aos ativos deverá
ser de 75% em 40 anos, isto é de 1,41% por ano. Nunca a produtividade
cresceu num ritmo menor que 1,41% e obviamente nunca menor que 0,56% por ano.
Portanto nos não iremos sofrer de uma insuficiência de riquezas.
Até o relatório Charpin reconheceu este fato.
3. A algazarra que estamos ouvindo a respeito das aposentadorias tem por objetivo
tornar invisível a aposta das classes abastadas e dos seus porta-vozes
: Quanto aos futuros ganhos de produtividade, a maioria dos assalariados e ex-assalariados
ficarão a ver navios. A aposta é que o confisco dos ganhos de
produtividade pelos rendimentos do capital, que prevaleceu desde há vinte
anos vai perdurar nos próximos quarenta anos. Assim nos sofreríamos
(continuaríamos a sofrer) de uma repartição injusta das
riquezas.
4. Se o
montante das aposentadorias a pagar em 2040 triplica em relação
ao montante de hoje, isto representa um valor idêntico (o equivalente
aproximado de 540 bilhões de Euros para a França), qualquer que
seja o sistema sujeitado à mesma evolução demográfica.
A capitalização não poderá portanto ser uma solução
coletiva. Em contrapartida, ela poderá ser um problema coletivo. De duas
maneiras; pelo agravamento das desigualdades sociais se não houver falência
das bolsas de valores; pela ruína dos aposentados se houver falência
das bolsas.
5. O aumento
das contribuições sociais para chegar a um total de 540 bilhões
de Euros em 2040 é apresentado como impossível. Como é
que o mesmo valor se tornaria possível sob forma de benefícios
pagos por Seguros-Aposentadorias ou pela venda de títulos financeiros
? A contradição do raciocínio liberal é uma mistificação.
6. Os sistemas
por repartição e por capitalização não são
compatíveis no longo prazo porque a rentabilidade máxima do segundo
só pode ser alcançada ás custas do recuo dos salários
e dos empregos que estão na base do primeiro. Salvo se, inscrevendo-se
na lógica da financiarização do capitalismo mundial, espera-se
tirar vantagem dos investimentos efetuados nas regiões menos desenvolvidas
do mundo onde a população é mais jovem e recebe salários
de miséria. Então teríamos uma compressão dos salários
e do emprego em outras regiões ainda mais desfavorecidas. Isto é
infelizmente uma escolha feita por uma certa "esquerda" que não
hesita em falar que é preciso fazer com que os Chineses paguem nossas
pensões, ou dito com mais pudor, que nos precisamos investir no exterior.
È uma incitação à espoliação imperialista.
7. O projeto
que pretende prolongar o tempo de cotização a 40 anos, e depois
a 42,5 e 45 anos, o que eqüivale a aumentar a duração do
trabalho ao longo da vida, é irresponsável enquanto o desemprego
não for erradicado. Ele fecha os olhos sobre a entrada cada vez mais
tardia dos jovens na vida ativa, tanto mais que o desemprego ainda é
importante. Ele esquece a prática das empresas que se desfazem dos ativos
prematuramente depois dos 55 anos. Ele vai na contramão da evolução
histórica de dois séculos que consista em utilizar uma parte dos
ganhos de produtividade para diminuir o tempo de trabalho. Enfim, este projeto
visa a carregar uma massa salarial considerada como intangível, ignorando
os ganhos de produtividade, com a carga suplementar devida à evolução
demográfica.
8. Ainda
que os dispositivos jurídicos adotados possam retardar um pouco a convergência
dos fundos de pensão e dos fundos de poupança salarial, a lógica
empregada é idêntica. Efetivamente, quando uma parte dos salários
é desviada para os fundos de poupança, ou para as opções
em ações, dois efeitos perversos aparecem. Os organismos de proteção
social são privados de uma fração das cotizações
sociais. E a ruptura entre a evolução dos salários e a
evolução da produtividade é ratificada. Sabemos o quanto
essa ruptura causada pelas políticas liberais de austeridade nesses vinte
últimos anos tem deteriorado a parte do valor acrescido que pertenceria
à massa salarial (na França, 10 pontos do PIB, ou seja 140 Bilhões
de Euros por ano, quase o equivalente das aposentadorias atuais).
9. A alternativa
que se apresenta às esquerdas não é entre um sistema de
repartição condenado caso não se trabalhe 45 anos ou uma
organização misturando repartição e capitalização.
A alternativa oferecida em verdade às esquerdas é de intensificar
a financiarização da sociedade, o que significa uma divisão
do "valor acrescido" em favor do capital e em prejuízo do trabalho,
intensificar as desigualdades no mundo e a submissão da proteção
social às regras da Rentabilidade, ou então, consolidar a proteção
social distribuindo imparcialmente os ganhos de produtividade futuros para que
a massa salarial possa progredir no mesmo ritmo da produtividade. O incremento
nas cotizações não apresentará problemas, principalmente
se os lucros forem colocados a contribuir e se o desemprego recuar. Alias, o
recuo do desemprego e o financiamento das aposentadorias dependem ambos de uma
distribuição justa dos ganhos de produtividade.
10. Estamos
chegando ao último ponto que fecha com o primeiro. Sem dúvida
o mais difícil de entender para todos aqueles que acreditam nos milagres
da Bolsa de Valores, e de maneira mais abrangente acreditam nas virtudes prolíficas
do capital. O capital geraria um acréscimo de valor e seus proprietários
mereceriam uma parte. É o fundamento da teoria liberal. É um mito
pois o capital só é valorizado pelo trabalho humano cada vez mais
produtivo. Uma prova pelo absurdo: Se o capital fosse capaz de auto-multiplicar-se,
as bolhas financeiras estourariam ?
Que dilema para as esquerdas ! Preferir o Capital ou o Trabalho ? Esta escolha não deixa nenhuma concessão à "modernidade" dentro do ambiente atual. Ele é porém bastante realista.